No final de 2020, o Booking.com sofreu mais uma derrota na justiça. Dessa vez, foi condenado ao pagamento de dez mil reais a título de danos morais por uma reserva inexistente efetuada em seu site. Os seus argumentos de que seria unicamente uma plataforma de intermediação não foram suficientes para descaracterizar a sua responsabilidade pelo mau serviço prestado pela rede hoteleira (TJ-GO, 5028122-86.2020.8.09.0170).
A responsabilidade das plataformas digitais e marketplaces, principalmente na esfera dos Direitos do Consumidor, é um tema bastante melindroso. Ainda não há uma pacificação sobre qual o fio objetivo que separa a responsabilidade da plataforma sobre os produtos/serviços nela comercializados e a sua total isenção sobre as atividades de terceiros.
Atente que estamos tratando primordialmente das plataformas de intermediação e veiculação de bens ou serviços de terceiros. Se a sua loja virtual anuncia os seus próprios produtos, não há dúvidas que você é fornecedor, e tem total responsabilidade sobre a atividade ali prestada.
Voltando ao tema proposto, se há essa subjetividade na responsabilização, é necessário tomar alguns cuidados na organização do seu modelo de negócio. Isso serve para evitar a inserção de características que o enquadrem como um responsável nessa cadeia de fornecimento e atraiam para si as obrigações inerentes aos fornecedores.
Sobre este conceito, é preciso observar a definição inserida no art. 3º do CDC como “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”
Numa leitura seca, se pode chegar a uma conclusão que os serviços de intermediação não entrariam em tal enquadramento. Isso porque eles apenas conectam os reais fornecedores aos consumidores, não exercendo o ato direto de distribuição ou comercialização. Essa visão está correta?
Em partes.
Sobre o tema, existem duas linhas de raciocínio jurídico que o empreendedor precisa compreender antes de desenvolver a sua plataforma.
Na primeira delas, alguns estudiosos (leia-se juízes que decidirão os seus processos) entendem que deve ser aplicado a “teoria da aparência” ao caso, o que atrairia a responsabilidade jurídica também para as plataformas digitais. Esse conceito, de uma forma simples, se concretiza quando uma pessoa aparenta ser a titular de um direito, embora não o seja, e realiza um negócio com um terceiro de boa-fé. Neste caso, o ato praticado entre as partes é validado, visando não prejudicar o terceiro “inocente”, e quem “aparentou” ser o titular do direito deve arcar com as consequências.
Outro argumento utilizado para justificar a responsabilidade das plataformas analisa o ganho que estas obtém com a atividade dos terceiros. Se ela lucra com aquela atividade comercial (hipótese do art. 3º § 2°, do CDC), ela faz parte daquela cadeia comercial, devendo assumir os riscos e responsabilidades do negócio (“teoria do risco do empreendimento”).
Nesses casos, portanto, há uma responsabilidade solidária da plataforma digital (todos respondem igualmente) pelos vícios dos produtos e serviços adquiridos por seu intermédio (art. 18 e 19 do CDC).
Entretanto, em alguns casos, os Tribunais reconhecem que o mero ato de intermediação não deve ensejar a responsabilidade da plataforma para fins consumeristas. E quando há essa exclusão da responsabilidade?
Dependerá do modelo de negócio da sua plataforma. O ato de obter ganhos diretamente com a transação atrai o risco da atividade negocial e suas responsabilidades. Por outro lado, o ato de não obter lucros diretamente com a atividade o afasta. Ou seja: um caminho para redução do risco depende da formatação do seu negócio como uma mera vitrine virtual ou sites/classificados de anúncios.
Por isso, é interessante que o negócio não realize qualquer tipo de intermediação direta e ativa entre o consumidor e o fornecedor (ex: disponibilizar gateways de pagamento, intermediar entrega do produto…). De igual modo, não deve ter ganho direto sobre a operação comercial transacionada (ex: cobrar percentuais ou comissões sobre a venda), focando em outras formas de monetização do negócio, como anúncios de terceiros e planos de assinatura. Há uma divergência se a venda de classificação dos melhores anúncios (“ranquear no topo”) é suficiente para configurar a relação consumerista.
É interessante observar algumas decisões sobre a matéria, para que o entendimento prático fique mais claro.
O STJ, no julgamento do Recurso Especial n. 1.444.008-RS, trouxe dois posicionamentos relevantes em um caso que analisava o serviço de provedor de internet, mas que pode ser – por analogia – aplicado ao tema ora analisado: o fato de um determinado serviço ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, mas também que “o provedor de busca de produtos que não realiza qualquer intermediação entre consumidor e vendedor não pode ser responsabilizado por qualquer vício da mercadoria ou inadimplemento contratual”.
Em outro caso também julgado pelo STJ (EDcl no REsp n. 1.599.460-RS), a Corte se posicionou no sentido de que “(…) a respeito dos danos materiais, faltou ressaltar que a jurisprudência do STJ tem entendido que “o provedor do serviço de busca de produtos que não realiza qualquer intermediação entre consumidor e vendedor não pode ser responsabilizado pela existência de lojas virtuais que não cumprem os contratos eletrônicos ou que cometem fraudes contra consumidores, da mesma forma que os buscadores de conteúdo na internet não podem ser responsabilizados por todo e qualquer conteúdo ilegal disponível na rede”. Por jurisprudência, entenda um conjunto de decisões sobre a mesma matéria.
Atente que esses posicionamentos tendem a mudar nos tribunais quando há qualquer tipo de cerificação ou validação dos consumidores pela plataforma. Ou seja, conceder selos de garantia eletrônicos, certificações ou recomendações de fornecedores podem facilitar a sua configuração como fornecedor (TJ-RS, RI. 71002886364/RS e TJ-RJ, APL 00209662020128190208)
Há diversos julgados que restringem, por exemplo, a responsabilidade do OLX para fraudes e danos causados aos consumidores, por entenderem que ele não realiza qualquer dessas ações de intermediação. Em um deles (0763714-09.2019.8.07.0016 – TJDF), o fato de existir um termo informativo e visível no site da ré alertando sobre as suas atividades serviu como um dos argumentos para afastar a sua responsabilidade.
Nesse sentido, é muito importante que o empreendedor se preocupe com a publicidade e o posicionamento da plataforma para o consumidor final. Deve-se deixar claro quais são as suas responsabilidades, os limites da atuação da plataforma e os riscos a que ele está sujeito na negociação com os fornecedores. Ademais, os termos de uso da plataforma precisam estar alinhados de forma jurídica e técnica ao funcionamento da sua plataforma, sob pena de trazer para o seu empreendimento um risco jurídico que poderia ser evitado.
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