Na negociação dos contratos de Mútuo Conversível, instrumento mais utilizado para viabilização de investimentos, um ponto que o founder geralmente negocia às cegas é a correção monetária e remuneração (“juros”) do mútuo. Na maioria das vezes, por não ter qualquer noção do que fundamenta a definição desses pontos ou quais são as práticas aceitáveis de mercado. Nesse artigo, pretendo trazer de forma simples algumas explicações sobre o tema, que permitam ao empreendedor se situar melhor na discussão de tais aspectos.
Conceitualmente falando, o mútuo conversível é o instrumento jurídico (“contrato”) que irá regulamentar a realização de um empréstimo que, ao final de determinado prazo, poderá ser convertido em participação societária. Ao final do período pactuado (“prazo de vencimento”), se por qualquer motivo o investidor decidir por não converter o mútuo, a startup deverá realizar a devolução do valor ao investidor, acrescido dos reajustes previstos em contrato.
Lembre que não é o normal o pedido de devolução do valor aportado pelo investidor. Se ele exerceu o seu direito de pagamento, é bem provável que o negócio não deu o retorno esperado. Afinal, rendimento por rendimento, é bem vantajoso e menos arriscado mais aplicar os recursos em uma instituição financeira do que em uma startup.
A partir daí, precisamos compreender os aspectos de mercado e jurídicos vinculados ao assunto. E, para isso, vamos separar o tema em dois: juros e correção monetária. Isso porque a composição da devolução do aporte, em quase todos os contratos, é realizado pela fórmula “valor do aporte, acrescidos de juros de ‘X’% por ‘Y’ período e correção monetária pelo índice ‘Z’”.
Sobre os juros, considerado como remuneração pelo empréstimo, se o mútuo tiver finalidade econômica, há uma presunção de ser devida a incidência de juros por determinação legal (art. 591 do Código Civil). Essa determinação é imposta inclusive para evitar que haja a utilização do instrumento por sócios da empresa como uma forma de transacionar recursos do sócio para a pessoa jurídica sem que tal ação configure Adiantamento para Futuro Aumento de Capital (“AFAC”) ou aumento imediado do capital social.
Entretanto, essa é uma presunção, e não uma obrigatoriedade, uma vez que não há lei específica que determine a incidência de juros mínimos em mútuos. Atente que apesar de não haver determinação de juros mínimos, a sua inexistência, a depender da circunstância, pode gerar indícios sobre a ilicitude da operação fraudulenta (caso seja a sua natureza, por óbvio).
Entretanto, há um teto para os juros. A Lei da Usura (Decreto 22.626/1993), bem como o Código Civil e decisões judiciais, vedam contrato com taxa de juros superiores ao dobro da taxa legal, cuja definição ainda não se apresenta pacificada (existem exceções para instituições financeiras, que não vem ao caso). Entretanto, temos como corrente majoritária que o teto dos juros nos contratos de mútuo é 1% ao mês.
Inclusive, nos termos da Lei Federal n.º 11.033/2004, os rendimentos auferidos com o Mútuo serão tributados pelo IRRF, com a variação das alíquotas de acordo com o prazo de vigência do mútuo.
Noutro lado, a correção monetária nada mais é do que o simples reajuste financeiro aplicado para compensar a desvalorização da moeda, e consequentemente, do aporte realizado. Por isso, é essencial que o mútuo tenha um índice de correção associado (principalmente se sua vigência for superior a um ano).
Agora, qual o índice que devo utilizar? Essa é uma pergunta importante. Se buscar mútuos de investidores de mercado, encontrará uma gama de índices utilizados, tais como IPCA/IBGE, INPC, Taxa Livre de Risco, IGPM/FGV, entre outros. Não há um índice padronizado a ser utilizado. Entretanto, é muito importante que o empreendedor busque a aplicação de índices que não possuam uma volatilidade elevada em circunstâncias de instabilidade do mercado, como aconteceu com o IGPM nos últimos anos (em 2020, atingiu uma alta acumulada de 23,14%, por exemplo). Isso pode fazer com que o valor a ser pago se multiplique, prejudicando o empreendedor.
Atente que caso seja apresentado um mútuo com um índice de correção muito diferente, é importante que o empreendedor verifique se este continua vigente, uma vez que determinados índices já foram considerados ilegais pelos Tribunais (veja a súmula 176 do STJ).
Perfeito, Lucas. Compreendi esses temas. Mas quais são as práticas e recomendações objetivas para compreender se a proposta que recebi está adequada no que se refere aos juros e correção monetária?
Primeiro, busque usar índices de correção mais usuais no mercado e mais comuns, como o IPCA/IBGE ou INPC/IBGE. Se for utilizar um índice diferente, verifique a sua vigência, volatilidade de variação e credibilidade da instituição vinculada ao índice – indicador econômico.
Outra alternativa viável é utilizar a composição de índices para o cálculo final. Por sua vez, evite redações que tragam índices distintos, acrescidos do trecho “o que for maior”. Isso pode prejudicar o empreendedor.
Sobre os juros, evite a sua aplicação mensal. O mercado adota como praxe a correção anual para mútuos. Apesar de ser lícito praticar juros de até 12% ao ano, tenho visto uma média de 3% a 7% de juros por ano nos mútuos de investidores anjos e VC’s. Assim, utilize esse montante como base negocial. Se acima de 7%, busque negociar a redução. Se abaixo de 3%, você está na vantagem.
É isso. Se tiver dúvidas, basta me chamar no Linkedin que conversamos. Boa negociação!