Um questionamento muito comum que passa pela cabeça dos investidores mais arrojados, que estão apostando nas novas moedas virtuais (ou criptomoedas) é: devo declarar meus investimentos em bitcoins à Receita Federal?
O Manual das Perguntas e Respostas sobre a Declaração do IRPF de 2017[1], lançado todos os anos pela Receita Federal, trata diretamente sobre o tema em seu tópico 447:
“447 – As moedas virtuais devem ser declaradas?
Sim. Moedas virtuais (bitcoins, por exemplo), muito embora não sejam consideradas como moedas nos termos do marco regulatório atual, devem ser declaradas na ficha “Bens e Direitos” como “outros bens”, uma vez que podem ser equiparadas a ativos financeiros. Elas devem ser declaradas no valor da aquisição.”
De fato, como órgão de natureza arrecadadora, é papel da Receita defender a classificação dos bitcoins como bens, uma vez que estes tem o potencial de serem tributados pelos ganhos de capital que sofrerem e movimentações que realizarem. Estudiosos dessa linha argumentam pela classificação das criptomoedas como “bens com(o) valor” (assets-like values), ou seja, bens que podem ser utilizados como pagamento em inúmeros serviços, adquirindo, portanto, similaridade com moedas.
Porém, há quem defenda que a mera propriedade de bitcoins não deve ser declarada, por este ativo ser classificado como meio de pagamento (fundada em um protocolo de código aberto autônomo), e não um bem, já que não existe um marco regulatório sobre o assunto ou legislação nacional que equipare criptomoedas a bens.
Tal discussão ainda é muito recente, não havendo um posicionamento definitivo sobre a natureza do bitcoin. No Japão, por exemplo, onde as discussões tecnológicas são mais avançadas e o Congresso Nacional (National Diet) já reconheceu as moedas virtuais como meios de pagamento legais, ainda há a debate sobre a natureza de bem das criptomoedas, uma vez que o seu reconhecimento apenas como meio de pagamento afeta bastante a possibilidade de arrecadação sobre seus ganhos financeiros.
Diante do posicionamento já exposto da Receita Federal em entender bitcoin como bem, quem não declarar tais moedas e for descoberto realizando essa omissão poderá sofrer as sanções legais devidas, ou, no mínimo terá dor de cabeça em discutir esse caráter moeda-meio de pagamento administrativa ou judicialmente.
Ocorre que quem investe em bitcoin sabe de sua natureza de criptomoeda descentralizada, ou seja, uma moeda virtual que não possui uma instituição financeira de controle, por funcionar em uma rede autônoma P2P, isto é, uma rede em que não necessita de um servidor central para sua administração. Ou seja, o bitcoin é totalmente autônomo aos órgãos de controle, por funcionar exclusivamente na internet, sem sede e entidades vinculadas.
Por sua vez, as transações das bitcoins usualmente são realizadas por meio das carteiras de bitcoins (bitcoin wallet), aplicativos e sites que permitem a transferência de bitcoins entre as carteiras dos usuários. Ocorre que, apesar de todas as transações de bitcoins serem acessíveis ao público, descobrir quem está por trás daquela carteira pode ser uma tarefa difícil (há quem diga impossível). Os outros usuários da rede veem a movimentação, porém não sabem com que objetivo tais valores foram movimentados (se para adquirir um carro, um computador, ou pagar um serviço de manicure) ou quem são as pessoas por trás das chaves (dono das carteiras) que realizaram tal movimentação[2].
Fernando Ulrich[3], em seu livro Bitcoin: a moeda na era digital (2014, p. 61), explica bem esse processo para localizar – ou não – o titular de uma chave bitcoin:
“Enquanto as chaves públicas de todas as transações – também conhecidas como “endereços Bitcoin” – são registradas no blockchain, tais chaves não são vinculadas à identidade de ninguém. Porém, se a identidade de uma pessoa estivesse associada a uma chave pública, poderíamos vasculhar as transações no blockchain e facilmente ver todas as transações associadas a essa chave.
Dessa forma, ainda que Bitcoin seja bastante semelhante ao dinheiro vivo, em que as partes podem transacionar sem revelar suas identidades a um terceiro ou entre si, é também distinto do dinheiro vivo, pois todas as transações de e para um endereço Bitcoin qualquer podem ser rastreadas. Nesse sentido, Bitcoin não garante o anonimato, mas permite o uso de pseudônimo. Vincular uma identidade do mundo real a um endereço Bitcoin não é tão difícil quanto se possa imaginar.
Para começar, a identidade de uma pessoa (ou pelo menos informação de identificação, como um endereço IP) é frequentemente registrada quando alguém realiza uma transação de Bitcoin em uma página web ou troca dólares por bitcoins em uma casa de câmbio de bitcoins. Para aumentar as chances de manter o pseudônimo, seria necessário empregar softwares de anonimato como Tor, e ter o cuidado de nunca transacionar com um endereço Bitcoin no qual poderia ser rastreada a identidade do usuário.
Por fim, é também possível colher identidades simplesmente olhando o blockchain. Um estudo descobriu que técnicas de agrupamento baseadas em comportamento poderiam revelar as identidades de 40% dos usuários de Bitcoin em um experimento simulado. Uma pesquisa mais antiga das propriedades estatísticas do gráfico de transações de Bitcoin mostrou como uma análise passiva da rede com as ferramentas apropriadas pode revelar a atividade financeira e as identidades de usuários de Bitcoin.”
Vê-se, portanto, que é possível localizar o titular de uma chave ou carteira de bitcoin, mas essa é uma tarefa complexa, e depende muito dos cuidados que o usuário toma na realização de suas transações. Assim, fica o questionamento: se eu não declarar, há como a Receita Federal saber da existência dos meus bitcoins? Provavelmente sim, mas isso dependerá de um esforço muito grande por parte do setor de inteligência e investigação da entidade, o que talvez não seja viável e interessante para o órgão. Se o titular da carteira for dos mais cautelosos, a chance da Receita Federal saber da existência de seus bitcoins são mínimas.
Investidores mais confiantes afirmam que a posição da Receita em obrigar que haja declaração das bitcoins é um tiro no escuro: se o titular declarar os bitcoins, ótimo, pois a Receita toma conhecimento desse “bem” e pode tributá-lo. Se não, muito dificilmente a Receita Federal irá atrás dos titulares dos bitcoins, exceto movimentações financeiras muito elevadas, que mereçam o esforço dessa investigação, e possam cominar em tributação elevada ou na prática de grandes ilícitos, como lavagem de dinheiro. Um detalhe merece atenção: se você utiliza alguma modalidade de empresa nacional (exchange) que detenha os dados de sua titularidade e carteira para movimentar seus bitcoins, será bem mais fácil da Receita Federal realizar esse controle.
Passada essa primeira análise, seguimos para outros dois questionamentos: que valor devo declarar, já que não existe cotação oficial para tal moeda? E como tais bens serão tributados?
Primeiro, como não há órgão de controle para tais moedas e suas cotações, o próprio contribuinte deverá declarar seus valores, para conversão com fins tributários. Porém, tal declaração não deve ser aleatória, devendo se basear no valor de aquisição das moedas e nos documentos que o contribuinte porventura possua para comprovar sua aquisição, como os extratos/históricos de movimentação dos sites onde as moedas foram adquiridas. Isso porque, caso caia na malha fina, o contribuinte terá como comprovar o valor dos bens declarados.
Por sua vez, segundo a própria Receita Federal (tópico 607 do Documento de Perguntas e Respostas), “os ganhos obtidos com a alienação de moedas virtuais (bitcoins, por exemplo) cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35.000,00 são tributados, a título de ganho de capital, à alíquota de 15%, e o recolhimento do imposto sobre a renda deve ser feito até o último dia útil do mês seguinte ao da transação”.
Assim, se tive um ganho de capital pela venda de minhas bitcoins de um valor superior a R$ 35.000,00 (dentro do mesmo mês), devo recolher imposto de renda na alíquota de 15% do acréscimo patrimonial. Por exemplo, se adquiri minhas bitcoins em abril de 2016 por R$ 10.000,00, e em outubro de 2016 as vendi por R$ 50.000,00, tive até 30 de novembro de 2016 para recolher os R$ 6.000,00 em tributos devidos (R$ 50.000,00 – 10.000,00 = 40.000,00 x 15% = 6.000,00).
Veja, a Receita Federal não apura o tributo com base na quantidade de bitcoins em si que a pessoa possui, mas sim no ganho de capital (diferença entre o valor da venda e custo de aquisição) que a pessoa obteve em reais. Se o ganho que você teve em lucro, convertido para reais com a alienação, for acima dos R$ 35.000,00, deverá tal montante ser o parâmetro para pagamento do tributo devido. Esse ganho de capital deve ser declarado em um programa alternativo da receita federal, denominado de Programa de Apuração de Ganhos de Capital GCAP 2017, software auxiliar da declaração de Imposto de Renda principal.
Uma orientação é tentar manter sempre os bitcoins na rede, realizando pagamento em serviços ou adquirindo objetos em sites que aceitam essa moeda como forma de pagamento, ou investindo os ganhos em mais bitcoins. Evitando-se o ganho de capital em reais, evita-se sua tributação.
Atenção! Segundo a Lei Federal n.º 8.137/1990, é crime “fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo”. Assim, o proprietário da bitcoin tem que estar bastante ciente dos riscos penais e administrativos que corre em não declarar tais bens e valores à Receita Federal. Veja que se o ganho de capital não declarado for verificado pela Receita Federal, há grandes chances do contribuinte cair na “malha fina”, devendo recolher os tributos devidos com juros e multas.
Ademais, a não declaração dos bitcoins pode gerar dificuldade ao seu proprietário em explicar os acréscimos patrimoniais decorrentes delas no futuro, que se descobertos, podem gerar multa e outras sanções administrativas e penais. Para servidores públicos e gestores de empresas, há o agravante que esse acréscimo patrimonial não declarado pode originar uma investigação por enriquecimento ilícito.
“Não declarei meus bitcoins, mas me arrependi e quero declarar. Ainda dá tempo”? Sim, no mesmo programa em que realizou a declaração principal existe a possibilidade de realizar a “Declaração Retificadora”. Nela, você pode incluir novas informações ou corrigir as informações prestadas na declaração original, mesmo após o prazo final para realizar a declaração do IRPF.
Como se pode ver, ainda há muita discussão jurídico-tributária sobre as criptomoedas. Cabe a cada investidor, de acordo com as suas intenções, decidir se irá prestar contas ou não de seus bitcoins na Declaração Anual do seu Imposto de Renda, sempre ciente dos riscos envolvem suas ações.
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Até o próximo encontro!
REFERÊNCIAS:
[1] Perguntão. Receita Federal do Brasil. Disponível em: <https://idg.receita.fazenda.gov.br/interface/cidadao/irpf/2017/perguntao>. Acesso em: 25 abr. 2017.
[2] Por isso tais moedas são utilizadas também para a prática virtual de ilícitos, como a aquisição de drogas e lavagem de dinheiro.
[3] ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na era digital. 1ª ed. São Paulo: Mises Brasil, 2014.