O uso de stock options como instrumento de incentivo financeiro em startups brasileiras tem se consolidado como uma prática de mercado, especialmente em empresas que, devido ao estágio inicial de desenvolvimento, muitas vezes não dispõem de recursos financeiros suficientes para oferecer salários competitivos no mercado. Além de ser uma estratégia eficaz para atrair e reter talentos, as stock options promovem um alinhamento de interesses entre os colaboradores e a empresa, já que a valorização das ações está intrinsecamente ligada ao desempenho e crescimento da companhia. O mecanismo se tornou tão comum que se faz cada vez mais presente, em contratos de investimentos em startups, que Investidores incluam como obrigação contratual dos fundadores a constituição de um plano para a Companhia.
No entanto, o uso indiscriminado e sem a observância de critérios jurídicos claros pode transformar esse poderoso mecanismo de incentivo em um passivo jurídico significativo, tanto para a empresa quanto para seus colaboradores.
As stock options são, essencialmente, contratos que conferem ao colaborador o direito, mas não a obrigação, de adquirir ações da empresa a um preço previamente determinado (preço de exercício ou strike price), após um certo período de tempo, conhecido como período de vesting. O principal objetivo desse instrumento é incentivar o colaborador a permanecer na empresa e a contribuir para o seu sucesso a longo prazo, uma vez que a valorização das ações pode resultar em ganhos financeiros significativos no futuro.
No contexto brasileiro, o conceito e a regulamentação das stock options ainda geram intensos debates e incertezas. Enquanto nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos esse instrumento é bem regulado e amplamente utilizado, no Brasil a ausência de uma legislação específica cria lacunas que exigem interpretação por parte dos tribunais e autoridades fiscais. Essa falta de clareza legal pode resultar em diferentes entendimentos sobre a natureza jurídica das stock options, impactando diretamente na tributação e nas obrigações trabalhistas associadas, que influencia diretamente nas obrigações e seus passivos associados.
A doutrina jurídica brasileira tem contribuído para o aprofundamento do debate sobre a natureza jurídica das stock options. Autores renomados, como Ricardo Mariz de Oliveira, argumentam que as stock options devem ser consideradas como instrumentos de incentivo de longo prazo, não se confundindo com remuneração direta. Segundo o autor, a tributação sobre as stock options deve respeitar sua natureza mercantil, incidindo apenas sobre o ganho de capital no momento da alienação das ações.
Hugo de Brito Machado também traz importantes contribuições ao tema, destacando que a dedução dos custos dos planos de stock options da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) é uma questão complexa e ainda não pacificada na jurisprudência. A tendência é que tais despesas não sejam dedutíveis, pois são consideradas como investimentos em incentivos de longo prazo e não despesas operacionais ordinárias.
Para que um plano de stock options seja considerado um instrumento mercantil, e não uma forma de remuneração direta, é crucial que a empresa observe rigorosamente certos critérios fundamentais. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente decisão proferida no Tema Repetitivo 1.226, estabeleceu parâmetros importantes para a correta caracterização jurídica desses planos. Os principais pontos destacados pelo tribunal são:
- Voluntariedade: A participação no plano de stock options deve ser uma escolha livre e voluntária do colaborador, sem qualquer tipo de imposição ou obrigatoriedade por parte da empresa. A adesão compulsória poderia descaracterizar o plano como um instrumento mercantil, aproximando-o de uma forma de remuneração.
- Onerosidade: O colaborador deve efetuar um desembolso financeiro para adquirir as ações, ainda que a um preço inferior ao valor de mercado. A falta desse pagamento poderia caracterizar a operação como uma doação ou benefício gratuito, o que alteraria a natureza jurídica do plano e poderia implicar em repercussões tributárias e trabalhistas.
- Assunção de Risco: É essencial que o colaborador assuma os riscos inerentes à flutuação do valor das ações no mercado. Isso significa que, se as ações não se valorizarem ou sofrerem desvalorização, o colaborador pode incorrer em prejuízo financeiro. Essa característica reforça o caráter mercantil e de investimento do instrumento, distinguindo-o de uma remuneração garantida.
As características apresentadas refletem boa parte dos requisitos que a melhor doutrina trata sobre o tema. Entretanto, diante da ausência de decisões judiciais no assunto, o Tema Repetitivo 1.226 representa um marco importante na consolidação do entendimento jurídico sobre as stock options no Brasil. Ao estabelecer os critérios acima mencionados, o tribunal buscou diferenciar claramente as stock options de formas tradicionais de remuneração, enfatizando seu caráter mercantil e de investimento de longo prazo.
Antes dessa decisão, havia uma tendência por parte da Receita Federal em considerar as stock options como remuneração, tributando-as no momento do exercício das opções com base na diferença entre o preço de mercado das ações e o preço de exercício. Isso implicava na incidência de contribuições previdenciárias e de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), aumentando significativamente o custo tributário para as empresas e colaboradores.
Com a decisão do STJ, ficou estabelecido que a tributação deve ocorrer apenas no momento da venda das ações pelo colaborador, incidindo sobre o ganho de capital efetivamente auferido. Isso afasta a incidência de tributos no momento da concessão ou do exercício das opções, alinhando-se ao entendimento de que as stock options são instrumentos de investimento e não de remuneração direta.
Se o STJ pacificou a posição, qual a preocupação que os empreendedores devem ter sobre o tema?
Se a sua startup tem interesse em implementar o plano, é fundamental compreender as implicações legais, fiscais e contábeis associadas a esses planos. A implementação de um plano de stock options requer uma análise cuidadosa e o cumprimento rigoroso dos critérios estabelecidos pela jurisprudência e pela legislação vigente.
As empresas devem estar atentas para não incorrer em erros que possam resultar em autuações fiscais ou ações trabalhistas, afinal, é essencial observar os critérios trabalhados na decisão do STJ.. A oferta de stock options sem a observância dos critérios de voluntariedade, onerosidade e assunção de risco pode levar a uma reclassificação das opções como remuneração pela Receita Federal e pela Justiça do Trabalho. Isso pode acarretar em pesadas multas, cobranças retroativas de tributos e encargos trabalhistas, além de comprometer a reputação da empresa no mercado.
Assim, para garantir que o plano de stock options seja eficaz e esteja em conformidade com a legislação, as empresas devem:
- Elaborar um Regulamento Claro e Detalhado: O plano deve ser formalizado por meio de um regulamento ou contrato que estabeleça de forma clara os termos e condições, direitos e obrigações das partes envolvidas.
- Assegurar a Voluntariedade: Garantir que a adesão ao plano seja opcional e que o colaborador tenha liberdade para decidir se deseja ou não participar.
- Estabelecer a Onerosidade: Definir um preço de exercício que represente um desembolso real para o colaborador, mesmo que seja inferior ao valor de mercado, evitando caracterizar o plano como um benefício gratuito.
- Evidenciar a Assunção de Risco: Deixar claro que o colaborador está sujeito às variações do mercado e que não há garantia de valorização das ações, podendo inclusive ocorrer desvalorização.
- Buscar Assessoria Especializada: Consultar profissionais experientes nas áreas jurídica, tributária e contábil para auxiliar na estruturação e implementação do plano, garantindo o cumprimento de todas as obrigações legais.
Outras recomendações relevantes são do ponto de vista contábil, a contabilização das stock options deve ser realizada de acordo com as normas internacionais de contabilidade, em especial a IFRS 2 (International Financial Reporting Standards 2), que trata de pagamentos baseados em ações. As empresas devem reconhecer o custo das stock options no resultado, distribuído ao longo do período de vesting, refletindo assim o benefício concedido aos colaboradores.
Ademais, é importante que as empresas mantenham uma documentação detalhada e transparente dos planos de stock options, incluindo os termos e condições, critérios de elegibilidade, períodos de vesting e mecanismos de exercício das opções. Isso é essencial para comprovar às autoridades fiscais e trabalhistas que o plano atende aos critérios legais e para evitar questionamentos futuros.
A não observância dos critérios estabelecidos pode acarretar sérias consequências para a empresa. A Receita Federal pode reclassificar as stock options como remuneração, exigindo o recolhimento de contribuições previdenciárias e outros tributos. Além disso, a Justiça do Trabalho pode determinar o reconhecimento das stock options como parte integrante do salário, impactando em verbas trabalhistas como férias, 13º salário e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Além disso, movimentos recentes indicam uma maior atenção das autoridades fiscais e trabalhistas sobre as práticas adotadas pelas empresas, reforçando a necessidade de conformidade e transparência. As empresas devem estar preparadas para possíveis mudanças regulatórias e adaptar seus planos conforme necessário.
Assim, as stock options representam uma ferramenta poderosa para startups e empresas que buscam atrair e reter talentos, alinhando os interesses dos colaboradores com os objetivos de crescimento e sucesso da organização. No entanto, a utilização adequada desse instrumento exige uma compreensão aprofundada dos aspectos legais, fiscais e contábeis envolvidos.
A decisão recente do STJ no Tema Repetitivo 1.226 trouxe maior clareza sobre os critérios para a caracterização mercantil das stock options, mas não elimina a necessidade de cautela e rigor na sua implementação. As empresas devem seguir os critérios de voluntariedade, onerosidade e assunção de risco, além de manter uma documentação sólida e transparente.